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domingo, 11 de abril de 2010

Dependência emocional: necessidade ou desejo?


Desde o início da vida, somos dependentes de alguém que nos cuide, nos alimente, nos proteja, papel exercido na maioria das vezes pela mãe ou por alguém que cumpra tal função. Esse momento materno é fundamental para a constituição do sujeito, que necessita dessa transmissão de afetos. Inicialmente, a criança torna-se objeto de desejo da mãe, aquilo que, em certo sentido, a completa. A mãe passa a traduzir afetos e emoções vividos pelo bebê, ou seja, torna-se uma espécie de mediadora entre ele e o mundo externo. Com o tempo, o bebê percebe que não é mais o único objeto de desejo da mãe. A mãe passa a direcionar seus desejos a outras pessoas ou atividades além do bebê, permitindo que a criança possa adquirir independência e fazer suas próprias escolhas. Tal processo de separação e desvinculação com o cuidador é sempre doloroso, mas extremamente necessário.
É essa idéia de completude que nos instiga a buscar um companheiro, um amigo, enfim. Desejamos atenção, carinho e reconhecimento do outro. Assim, podemos reconhecer a dependência como inerente ao ser humano. Nos momentos de fragilidade, de conflitos, é natural que muitos voltem à fase inicial da necessidade de amparo.
O quadro torna-se patológico quando passa ser exagerado, causando sofrimento. Para esse sujeito, sua felicidade e bem estar só serão possíveis a partir do outro. Dependem integralmente da existência e cuidados alheios para que possam lidar com suas próprias questões. Muitos confundem e justificam atitudes e comportamentos de dependência emocional alegando ser amor. Na verdade, essa é uma forma de aceitar e lidar melhor com algo que está ultrapassando os limites do saudável.
É muito delicado falarmos de dependência emocional se levarmos em consideração certos padrões culturais que trazemos enraizados desde que nascemos. Somos instigados a nos relacionar, a fazer amizades, encontrar um parceiro e constituir uma família; acabamos então tendo como meta ter alguém ao nosso lado para sermos felizes. É fato que precisamos do outro, mas até que ponto o precisar se transforma em necessitar, em condição primordial para nossa felicidade? O dependente emocional apresenta um padrão constante de necessidades emocionais insatisfeitas, que se manifestam através de relações de monopólio, tratando o outro como sua posse, seu objeto. É uma relação de tanto desequilíbrio que se metaforiza com a dependência de um usuário de droga, que transpõe e aniquila o outro por absoluto. Infelizmente, tais relações atingem graus tão expressivos que acabam sendo trágicas.
Quem pensa que esse amor fatal só está nos versos poéticos ou em novelas, em filmes ou em obras shakesperianas engana-se. É bom ficar atento, pois uma pessoa com dependência emocional e afetiva quer ter à sua disposição, continuamente, a outra pessoa como se estivesse aprisionado a ela. Terá crises de ciúmes paranóicas, solicitará que seu parceiro renuncie a sua vida privada para que possam ter mais tempo juntos e se colocará numa posição de que a atenção recebida nunca é suficiente. Esta pessoa precisa de ajuda! Ela precisa ser ouvida por um profissional, precisa estar no divã divagando sobre seus fantasmas e seus temores para que possa descobrir novas formas de encarar a vida, com mais autonomia e confiança em si mesmo.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Entrevista: Jorge Forbes


Pessoas se ‘deletam’

25/04/2009 00h00

Entrevista de Jorge Forbes para o portal Terra - 25 de abril de 2009.

Fabrício Calado Moreira

Vivemos uma epidemia de crimes inusitados cuja tendência é não diminuir. A avaliação é do psicanalista e médico psiquiatra Jorge Forbes, que há alguns anos estuda e trabalha com situações de violência extrema envolvendo famílias e amigos. Entre outras histórias escabrosas, já escreveu e tentou entender os casos de Isabella Nardoni e Suzane Von Richthofen, para ficar em duas barbaridades de grande repercussão.

Para Forbes, as mudanças na sociedade impostas pela globalização fizeram surgir um novo tipo de violência: o crime inusitado. Que é diferente do crime "situado", onde há uma motivação mais aparente (por vingança, por ódio, para poder roubar). Para emprestar um jargão da internet, o psicanalista compara o estado das relações sociais hoje com um expediente recorrente no mundo virtual.

"Hoje, a possibilidade de uma pessoa deletar a outra, tanto metafórica quanto literalmente, é muito freqüente. Passa-se da amizade pra indiferença absolutamente sem cerimônia nessa sociedade", avalia. Os crimes de família ou inusitados, como Forbes os chama, vêm deste desapego ao outro. "Nós começamos a ver uma série de casos que não correspondem ao que nós estávamos habituados a conhecer na teoria do crime." O choque gerado por esse crime é maior que o dos crimes 'normais' praticados por estranhos, explica Forbes, porque o inimigo pode ser quem menos se imagina - nestes casos, alguém da família. "Esse tipo de crime aflige muito mais a sociedade por isso, porque você não consegue prever que uma menina loira bonitinha da classe média alta participe do assassinato do pai e da mãe de maneira fútil e inconseqüente."

Sociedade em xeque
Com a entrada em cena dos tais crimes inusitados, a própria sociedade é posta em questão - com conclusões até indigestas, no entender do psicanalista. "Se Suzane fez o que fez, os pais olham pros filhos e pensam 'meus filhos também podem fazer isso comigo!' A sociedade começa a pedir detectores de meNtais (o trocadilho com metais é intencional)."

Apesar das perspectivas que traça, o estudioso das psicopatologias da vida cotidiana vê sintomas que indicam possibilidade de melhora. "Estes crimes inusitados devem diminuir à medida que nós aprendemos a habitar o mundo globalizado. Hoje, estamos tentando entender o mundo novo com a cartilha antiga. Ainda tateamos novos conceitos", acredita. Como comparativo, Forbes cita os avanços da medicina. "Hoje em dia ninguém se assusta mais com o Bacilo de Koch, mas anos atrás era um pega pra capar."

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Por trás das máscaras sociais


Desde o início da civilização humana, os papéis sociais foram predeterminados na vida de cada um: papel de marido, esposa, pai, mãe, filho, profissional etc. Conviver socialmente, muitas vezes, não é missão simples nem prazerosa. É preciso se adequar e até abdicar, em alguns momentos, do que realmente somos para conquistar boa imagem diante dos olhares alheios. A cada relação estabelecida, somos cobrados pela maneira de agir, de pensar; assim como, mesmo inconscientemente, também esperamos que o outro nos satisfaça.
Há exigências no comportamento profissional, na relação com os familiares, com os amigos e vizinhos. Usamos “máscaras sociais” em nome do reconhecimento e admiração no convívio cotidiano. Diariamente nos rendemos a opiniões que muitas vezes discordamos e nos queixamos às escondidas sem propor um ponto de vista diferente, que inclusive, poderia ser melhor do que as normas obedecidas. Até que ponto devemos vestir essas fantasias impostas e sacrificar nossos próprios desejos? Diante de tantos padrões de comportamento, em que lugar está a nossa personalidade?
Desde o nosso nascimento, recebemos investimentos necessários para a nossa constituição. Este desejo vindo do outro irá instaurar-se em nosso inconsciente, permitindo o surgimento de identificações em nossos relacionamentos que irão moldar a personalidade de cada um. Passamos então a ter a percepção de como nós somos, através da autoavaliação global, de como os outros no vêem e, por fim, de como somos de fato, ou seja, a nossa personalidade. A percepção distorcida em alguma dessas esferas poderia estar trazendo comprometimento psíquico para o sujeito. O importante é perceber-se e, ao entrar em sofrimento, buscar ajuda psicológica.
Às vezes, não nos damos conta de que levamos ao pé da letra os limites dos papéis sociais e cristalizamos nossa mente. Quem na infância nunca brincou de ser um super-herói, ou nas brincadeiras de “casinha” não assumiu o papel da mãe, professora, médica. A questão é que quando nos desenvolvemos, temos que assumir um único papel. Se somos adolescentes, temos que ser responsáveis e obedientes. Quando atingimos a idade adulta, temos que ter um objetivo já traçado e ir em busca dele.
Existe uma guerra entre aquilo que nossas pulsões desejam e o que a sociedade exige. E para interagir em sociedade e viver de acordo com as expectativas externas, o sujeito percebe que precisa frear seus impulsos e desejos, através de uma série de estratégias e mecanismos de defesa. É preciso ser realista e aceitar que nunca será possível ser e ter aquilo que nossos mais profundos desejos ordenam, mas o outro extremo também é prejudicial; o sacrifício pelo bom conceito diante da sociedade não pode ultrapassar limites, gerando angústia e sofrimento.
Diante do rebuliço de obrigações, responsabilidade e limitações, existe um ser humano tentando sobreviver na busca pela adaptação. Desta forma, os papéis sociais são importantes, sim. Mas cabe a cada um de nós o reconhecimento das diversas possibilidades e a busca pelo equilíbrio entre aquilo que queremos e o que querem de nós. Caso contrário, estaremos eternamente estagnados e aprisionados em nossas máscaras.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

“Por que a psicanálise?” (Elizabeth Roudinesco)


Hoje, lendo este livro da Psicanalista Roudinesco, mais uma vez me dei conta do que constantemente esbarramos no fazer psicanalítico: o constante e desenfreado uso de psicotrópicos. Lembrei da história de um conhecido que, sentindo-se angustiado, foi orientado a procurar um tratamento. Sem ao menos saber que psicólogos ou analistas não prescrevem medicação, saiu indignado do consultório, pois a incompetente analista não foi capaz de ajudar e lhe passar um remedinho. “Ela ao menos poderia ter indicado um psiquiatra. Hoje em dia ninguém tem tempo!!”. Não há tempo para sofrer, para falar de angustia; o tempo que se tem é para ganhar dinheiro, ganhar o mundo. O grande problema é que o sofrimento psíquico não tem tempo pra chegar e nem para sumir! E quando aparece, desestrutura, desestabiliza.
Que a depressão é a doença do século não é novidade! A maioria conhece seus sintomas, muitos dizem já ter vivenciado, mas poucos tem interesse em descobrir sua origem. Pra que cutucar a ferida se eu posso engolir alguns comprimidos e seguir adiante? As dores da alma, muitas vezes, são sentidas no corpo e é no corpo que as pessoas acreditam que devem ser tratadas com overdoses de medicamentos. Não quero desmerecer a eficácia dos psicotrópicos, são ferramentas que colaboram e algumas vezes são indispensáveis para o sucesso de tratamentos. Mas não há quem possa dizer que são suficientes!
A psicanálise vem sendo severamente atacada com críticos que afirmam sua ineficácia e justificam qualquer sintoma e comportamento humano através de mecanismos puramente químicos e genéticos. Mas se ela está perdendo lugar, também é porque os próprios pacientes preferem acreditar que seus sintomas tem origem orgânica e rejeitam indícios de relação com a sua história, com a sua constituição. Como diz Roudinesco: “ Em lugar das paixões, a calmaria, em lugar do desejo, a ausência de desejo, em lugar do sujeito, o nada, e em lugar da história, o fim da história.”
Não posso ser injusta nem radical! Ainda existem psiquiatras e pesquisadores de outras áreas que valorizam a importância de um processo analítico. Quem se permite conhecer, sem preconceito ou narcisismo enceguerante, sabe do seu papel científico, social, e, sobretudo, subjetivo. É pra isso que estamos aqui!

Roberta Gondim.

domingo, 24 de janeiro de 2010

A impetuosa superação humana


ARTIGO JANEIRO-10

Em meio a tantas catástrofes e destruições, nos perguntamos o que está acontecendo? Muitos parecem não entender, outros se sentem culpados e, de certa forma, confundem-se em relação a tudo que está acontecendo. Obviamente, a situação tomou proporções gigantescas, diríamos, desesperadora. Mas desde quando o ser humano destrói, se autodestrói ou luta pela sobrevivência? Desde sempre! Para fazer um paralelo com a psicanálise, é preciso pensar em conceitos fundamentais para sua teoria. Pulsão de vida e Pulsão de morte. Não nos cabe aqui ficar teorizando e trazendo explicações minuciosas, mas é impossível não enxergar tantas manifestações do que realmente somos no meio disso tudo.
Freud foi categórico ao dizer que há um conflito inerente ao ser humano entre a pulsão de vida e a pulsão de morte. A pulsão de vida tem como seus derivados a criatividade, a amorosidade, o desejo de se desenvolver, enfim, tudo aquilo que possibilita a motivação da energia humana para a busca da autoconservação. Já a pulsão de morte estaria relacionada ao retorno à imobilidade, tendo como representação a destrutividade, a agressividade e tudo aquilo que limitaria o progresso da vida.
Quando vemos tantas desgraças provocadas pelo próprio homem através de atitudes autodestrutivas como o consumo de drogas, pessoas que nos parecem gostar de sofrer ou mesmo através de atos violentos e destrutivos em relação à sociedade e ao ambiente, podemos relacionar a pulsão de morte, que para Freud, em alguma escala, está presente inconscientemente em todos nós, assim como a pulsão de vida, que como já citamos, está relacionada à autoconservação.
E quando somos surpreendidos com tragédias que são conseqüências de eventos da natureza que exterminam milhares de pessoas sem aviso prévio, sem uma explicação coerente? O ano novo nos impulsiona a festas e comemorações, com votos de recomeço e felicidade, mas no início de 2010 vimos muita dor, tristeza e desespero em lugares como Angra dos Reis e principalmente no Haiti.
Nesses casos, o que nos chama atenção e ainda nos traz esperança é constatar a luta pela sobrevivência, o desejo pela vida. Pessoas que depois de passarem dias debaixo de escombros, ainda conseguiram buscar forças para pedir socorro e querer sobreviver, sabendo que seus familiares se foram, que sua cidade e sua vida estão devastadas. Gritantemente, são nessas situações limite que a pulsão de vida comparece, aniquilando com a dor, com a vivência traumática que muitas vezes pode vir a ser inelaborável, pela busca de apenas sobreviver.
Diante de situações como estas, nos reconhecemos vulneráveis e nos deparamos com a realidade, de que tais catástrofes podem acontecer a qualquer um de nós. Tudo isso nos causa angústia, desperta em nós sentimentos de solidariedade, de piedade, de querer ajudar ao próximo, sentimentos que só atestam aquilo que Freud desenvolveu com tanta maestria: todos nós temos uma força que nos impulsiona para a busca da expansão, isto é, o ser humano é eminentemente vida.....pulsão de vida!

Noel e a fantasia que não desbota


ARTIGO DEZEMBRO-09

Quando se fala em Natal, hoje, o pensamento automaticamente voa na direção de brinquedos e comidas. Vivemos num tempo em que os valores de nossos antepassados se tornaram fluidos. Mas apesar dessa percepção dominante, inda existem famílias que valorizam o verdadeiro sentido do natal.
Muitos pais utilizam a figura do papai Noel como forma de ampliar as fantasias que povoam a mente das crianças. A expectativa de cada uma para este dia é fundamental, seja pela ansiedade de ganhar aquele brinquedo tão desejado ou pelo esforço para se manter acordado durante a madrugada e assim encontrar Papai Noel. Ao serem perguntadas sobre o assunto, muitas crianças colocam suas fantasias em prática quando dizem que viram o papai Noel deixando seu presente, ou mesmo, que tiveram o azar de acordar tarde, mas a tempo de ver renas voando sobre o quintal. O Natal deixa rastros de esperança e permite que muitos façam parte de um momento mágico.
Mas essa espera não está restrita ao universo da criança. Para que elas tenham introjetado tal mito foi necessário que o pai, a mãe, a avó ou alguém importante para essa criança também acreditasse um dia em tudo isso. Assim, o papai Noel é uma lembrança da infância de cada um de nós que se re-atualiza a cada Natal. A psicanálise nos mostra, mais uma vez, que os desejos e conflitos de nossa infância não terminam porque nos tornamos adultos. O que seria de nós sem nossas crenças infantis?
O ritual de dar o brinquedo no Natal representa para uma criança mais do que imaginamos. Nesse momento, ela pode unir fantasia e realidade, o seu mundo interior ao exterior. O presente tem a marca da realidade num mundo de fantasias construído para organizar de forma simbólica as vivências de conflitos e desamparos. A fantasia tem a função de organizar o mundo em que a criança vive.
Segundo Freud, a criança brinca para criar e descobrir, ou seja, brinca para poder elaborar perdas, para encenar o que ainda não compreende da sua vida, brinca para simbolizar. Então, a criança necessita da brincadeira para apoiar sua inscrição no desejo. O brinquedo assim, se transforma em outra coisa com o investimento imaginário e simbólico que a criança consegue fazer. Através do brincar, ela pode elaborar a distância entre a possibilidade e a insuficiência no desejo de ser grande.
Parece-nos que uma grande dificuldade com a qual os pais se deparam é que, depois de tornarem-se pais, muitos acreditam ter que cumprir um papel extremamente sério e responsável, não restando mais a eles a capacidade de se divertir, de brincar, enfim, sentem-se na obrigação de deixar se esvair a criança que seguramente ainda existe dentro deles, mas que insistem em deixar presa como que num calabouço, muito bem isolado sonoramente, para que suas gargalhadas de alegria não possam ser mais ouvidas. Com essa criança escondida, como poderão os pais estabelecer uma sincera relação com os seus filhos, propiciando-lhes assim um entendimento de seu mundo interior?
Os pais perguntam aos psicólogos e analistas como agir corretamente, pois cada filho é um desafio e a cada dia tudo o que já sabiam parece se modificar. Freud nos diz que a palavra está sempre em jogo, e a criança pode nos responder através dos atos do seu brincar as perguntas que lhe fazemos. É preciso suportar um brincar descomprometido de regras, pois a criança não vive num mundo pacífico, sem conflitos, então ela quer o prazer que o mistério proporciona. Talvez por isso, o presente e as historias de Natal nunca perdem seu lugar. Os brinquedos podem ficar para trás, as brincadeiras se modificam, mas as vivencias não estarão perdidas, pois sempre retornam e dão sentido à nossa vida.








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A amizade é um amor que nunca morre” (Mário Quintana)


ARTIGO NOVEMBRO-09

O fim do ano se aproxima e alguns vão ficando mais reflexivos. A essa altura já começamos a contabilizar nossas conquistas e perdas, mas que tal também lembrarmos das coisas boas que temos e conseguimos preservar? Em tempos egoístas onde o tamanho da felicidade parece estar no tamanho da conta bancária e naquele requisitado compromisso social que este ano você finalmente conseguiu ser convidado, não podemos esquecer que o que realmente importa ou pelo menos deveria importar ainda “são outros quinhentos”. Por que não agradecer, por exemplo, a conquista ou permanência de uma grande amizade que por mais um ano sobreviveu ao corre-corre, ao mundo virtual de orkuts, facebooks e e-mails da vida? Aquela amizade que a cada dia supera distäncias, fofocas, diferenças e os desentendimentos nossos de cada ano?
Psicanaliticamente, eleger alguém como amigo vai além de encontrar um parceiro disposto a escutar de você suas dores e amores. Quando existe amizade, é porque de alguma forma essas pessoas compartilham algo. Nos identificamos com uns e não com outros por componentes de admiração e sintonia que podemos enumerar, mas também por questões que tem muito de nosso inconsciente. Nossas relações de amizade, tem a ver com nossos percursos iniciais, momento em que experimentamos o prazer sentido ao receber afeto daqueles que nos cuidam. Os primeiros laços que construímos de afeto surgem dentro do berço materno, e conforme nos desenvolvemos, nos socializamos, desperta uma necessidade de nos relacionarmos no círculo extra-familiar, ao qual se torna essencial para o processo de subjetivação. É a nossa jornada na busca de identidade, o encontro entre as pessoas nutrido a partir de um sentimento que é a amizade.
Buscamos ter um amigo, porque aquele amor recebido por nossa mãe, na tenra idade já não é mais único para nós, pois ela começa a se interessar por outras coisas além de nós, e como forma de tentar reparar esta marca, estabelecemos o laço da amizade. Os traços que se fixam inconscientemente a partir das nossas primeiras relações serão fundamentais para as futuras buscas de amizade.
Mergulhar numa amizade implica em abertura para o outro, a possibilidade de se deixar invadir pela troca, sem que isso atrapalhe nossa subjetividade. A amizade consente a busca das diferenças, aperfeiçoa nossas particularidades, espera de nós o insólito a cada contato, mesmo já conhecendo cada atitude um do outro. Isso não é tão fácil assim!
Para escrever este texto, não foi apenas o fim do ano, mas a perda de uma pessoa querida que nos fez pensar no valor que deve ter uma amizade. Em um trágico acidente foi perdido um amigo, um irmão, um filho, uma alegria, um sonho, uma aventura, uma liberdade. Perdemos o Alexandre! Mas finalizamos com uma frase de Mário Quintana que faz com que pensemos que as coisas materiais são efêmeras, iniciam e acabam em um processo cíclico, mas os sentimentos perduram dentro de nós até o fim. “A amizade é um amor que nunca morre”.

“Brincar também é coisa séria”


ARTIGO OUTUBRO-09

Pensar na infância é pensar em uma fase do desenvolvimento com típicas necessidades. Sabemos o quanto uma criança precisa ser cuidada, olhada, investida. Mas nem sempre foi assim. A história da criança passa pela história humanidade. Em outros tempos, a criança era vista como uma espécie de adulto em miniatura: tinha vida sexual ativa, trabalhava e muitas vezes não era valorizada, pois não tinha força para executar suas tarefas. Ainda bem que não paramos no tempo e hoje a situação é bem diferente, apesar das faltas ainda marcantes em relação ao que realmente elas necessitam para um processo de constituição saudável.
A criança passou a ter seu lugar delimitado, passou a ser reconhecida como sujeito com necessidades específicas e o brincar inclui-se como fator primordial para a criança, passando a ser objeto de estudo de psicólogos e psicanalistas, como uma forma de comunicação dos seus desejos e conflitos.
Infelizmente, com a correria do mundo cotidiano, os pais acostumam seus filhos desde cedo a ter uma agenda recheada de tantas obrigações: é a escola, depois o reforço, depois a natação...ufa! A criança acaba não tendo tempo nem para brincar.
A brincadeira não existe apenas para as horas vagas da criança, afinal de contas, brincando, as crianças repetem, constroem, destroem, inventam, na tentativa de criar sentido para seus atos, para seu “querer dizer”. Brincando, ela representa sua historia, encontra oportunidade de expressão, de manifestação do que realmente esta sentindo e assim pode falar de algo que é sério para ela.
A criança, através da brincadeira, cria um mundo para si, podendo ter a onipotência de ser quem quer, quem deseja, ou mesmo o que os outros desejam que ela seja, sem exigências sociais. Ela pode também eliminar seus impulsos agressivos, por exemplo, sem ter que dar satisfação do porque faz aquilo. O brincar, para a criança, tem um significado tão importante quanto trabalhar, se comunicar, se relacionar afetivamente, para o adulto. A partir da brincadeira, a criança passa a gerar sua realidade interna e externa, passa a desenvolver algo que será fundamental para sua personalidade, a fantasia.
Para a psicanálise, a importância não está no uso de teorias e técnicas específicas para trabalhar com crianças, apesar da enorme relevância atribuída a fase infantil. Na realidade, a atuação é feita através da escuta; escuta baseada no discurso próprio da criança, capaz de atingir inclusive, as formações de seu inconsciente, por meio de seus relatos, sonhos, desenhos e outras formas lúdicas,
Não é tarefa fácil penetrar no universo infantil e muitas vezes os próprios pais sentem-se perdidos e desamparados por não conseguirem perceber o que está sendo manifestado pela criança. Durante o processo analítico, a criança pode fazer contato com suas dores em um ambiente seguro, podendo obter grandes resultados psíquicos. Nesse momento, a criança não pode estar desvinculada de uma escuta dos pais, do lugar que os mesmos a concebem. Que fantasias construíram a respeito desta criança que apresenta algum sintoma? Ela, por sua vez, não sentará no diva para ficar falando de seus devaneios, de suas angustias, de seus sofrimentos, assim como esperamos de um adulto. Ela irá brincar e através da brincadeira, passará por seus fantasmas, sinalizará o que está errado, demonstrará, assim, como se comporta e como se dá sua relação com pai e mãe.

A dor que o riso esconde


ARTIGO SETEMBRO-09

Todo mundo conhece alguém que costuma levar ao pé da letra a expressão “perde o amigo, mas não perde a piada”. Pessoas assim manifestam o bom humor através do sarcasmo, de brincadeiras de duplo sentido, ironias e piadas com origem agressiva, que servem mais para denegrir uma pessoa do que para divertir.
Brincar com as formas que o mundo se apresenta ganha cada vez mais espaço, inclusive como meio de auferir lucro. Atualmente, vemos na televisão programas cujo foco é fazer os outros rirem de alguma “vítima” escolhida para ficar na berlinda. Ironiza-se o pobre, o feio, a patricinha consumista , o político apegado ao dinheiro alheio... As pessoas identificam-se com estes personagens da vida real, e mesmo que seja cada vez mais difícil, ainda encontram uma maneira de achar graça da própria desgraça.
Vivemos no tempo da depressão e dos antidepressivos, tempo de uma sociedade tomada pela velocidade e pela euforia. Mas ao questioná-la, o sujeito parece estar fadado à incompreensão da maioria. Sente-se, então, na obrigação de viver as 24 horas do dia “feliz”. Mas como viver sempre feliz na miséria, na exploração sem recompensa ou mergulhado nas próprias angústias? É impossível!
O humor, na categoria dos chistes (que tem como significado malícia disfarçada que um dito ou escrito encerra), é considerado por Freud como uma das quatro formações do inconsciente, ou seja, o inconsciente comparece através de brincadeirinhas que para muitos não tem sentido nenhum. Sabemos o quão doloroso é ter que lidar com a realidade, assim, o humor surgiria como forma de alívio dos sofrimentos da vida. Através da piada posso falar aquilo que sinto sem ter que me sentir responsável por nada. Afinal, tudo não passa de piada,não é mesmo? A cena poderia ser trágica se não fosse cômica, muitos se aliviam pensando assim. Freud considera os chistes como liberdade aos desejos sem a preocupação com as normas sociais e da ética.
O humor pode ser uma via de fuga sem volta, pois muitos se utilizam das piadas e trocadilhos como forma de encarar até mesmo seus problemas mais sérios, com anedotas sobre si mesmo. Mas tudo tem sua medida. Não podemos transformar tristezas da vida em algo que precisa a todo custo ser domado. É preciso vivenciar perdas e sofrimentos num processo natural que, aos poucos, no seu tempo, vai se elaborando.
Quando a tempestade passar, aí sim, dê uma boa gargalhada.

"Não fica louco quem quer "


ARTIGO AGOSTO-09

Nunca se falou tanto sobre a esquizofrenia no Brasil. O motivo da popularização do tema, claro, é um personagem da novela das 8 que apresenta tal comprometimento psíquico.
Sabe-se do impacto da mídia na vida das pessoas: basta estar na televisão para virar assunto de debate nacional, o que, diga-se, é muito bom, mas quando o drama da telenovela se apóia no conhecimento do caso real. Assim, aquilo que sempre ficou restrito aos especialistas, passa a ser disseminado para a grande massa, e as doenças mentais são ressignificadas.
O personagem atual tem caracterizado sintomas importantes, com escutar vozes, ver coisas que não existem, ter a idéia fixa de perseguição. Esse sintomas fazem parte do quadro clínico da esquizofrenia, mas não são suficientes para caracterizar tal patologia. O que a novela retrata, é que o personagem desencadeou seus sintomas de alucinação e delírio a partir de um conflito muito intenso familiar, o que acaba sendo muito simplista para definir que a causa da loucura está apenas aí. Iniciamos nosso texto com uma frase célebre do psicanalista Jacques Lacan: " Não fica louco quem quer". Para a psicanálise, o fato de haver eventos na vida da pessoa que podem ser tidos até como "enlouqucedores" não significa que sejam suficientes para determinar que tal pessoa ficará, digamos, louca, mas acontece com aquela que possua uma "estrutura psicótica". Isso demonstra então que um sujeito antes de entrar em surto, comporta-se como aparentemente "normal", é como se o mesmo estivesse caminhando com uma bengala e de repente esta bengala se quebra e ele cai em surto.
Existem alguns comportamentos que todos nós cometemos em nossa vida, como falar sozinho, perder alguma coisa ou mesmo esquecer de algo. Isso sempre intrigou a Freud, que não acreditava na ocorrência acidental das coisas; eram manifestações do nosso inconsciente. Desta forma, o que a psicanálise sempre veio nos trazer a partir de Freud é que nada acontece por acaso, tudo tem uma explicação que faz parte da nossa história de vida e que precisa ser tratado com apoio de uma equipe multiprofissional.
Com a família e pessoas mais próximas, a relação torna-se complicada, pois não é nada fácil conviver com um psicótico, principalmente pela angústia em não conseguir mais reconhecer aquela pessoa de antes. Muitas vezes, o sujeito não aceita que está doente e que precisa de um tratamento adequado.
Nesse momento, cabe a família contornar tal situação. Não adianta afirmar que aquela pessoa (ou “monstro”) que ela está vendo simplesmente não é real. A atuacão nos cuidados com um psicótico começa e termina em casa e requer muita paciência. Na maioria das vezes, a familia também precisa de apoio para lidar melhor com essa nova realidade que vão ter que enfrentar.
Apesar de estar na novela das oito, em revistas, livros e pincipalmente ao nosso redor, ainda existe um preconceito absurdo sofrido por quem tem ou convive com a psicose. É comum sentir um estranhamento ao nos depararmos com um sujeito que por exemplo diz que acha que está sendo perseguido ou observado por câmeras escondidas, quando eles verbalizam que alguém dentro de sua mente está falando por ele, está lhe dando ordens, ou que, ao conversarem, apresentem idéias confusas, desorganizadas, desconexas. No lugar do estranhamento, devemos entender que essas pessoas precisam de apoio e tratamento para um possível retorno ao convívio em sociedade.

Quando o medo vira fobia


ARTIGO JULHO-09

Todos nós já sentimos medo em algum momento da vida. Ainda na infância, nos deparamos com situações, objetos e até fantasias que despertam nosso temor. Temos medo do escuro, de altura, da morte, de aranha e até de sermos abandonados.
É normal que este sentimento exista em cada um de nós. Mas pode chegar um preocupante momento no qual o medo se torne intenso, transformando-se em algo mais grave, como a fobia.
É preciso fazer aqui uma distinção entre o medo e a fobia.
O medo é um sentimento que nos avisa quando a situação exige uma atitude de fuga ou de ataque e o nosso organismo se prepara para uma ação rápida, forte, intensa. É um sentimento fundamental para a proteção de nossa espécie, pois surge diante de algo iminente, apropriado à situação a qual representa - diante de uma cobra venenosa, ou um ladrão em sua casa, por exemplo. Já a fobia, é um medo exagerado e desproporcional, pois surge diante de algo que não representa perigo, causando enorme angústia, principalmente quando paralisa o sujeito.
Quando somos crianças, são comuns os sentimentos ambivalentes, principalmente em relação aos nossos pais. Amamos o pai que nos dá carinho, amor, mas, ao mesmo tempo, somos tomadas pelo ódio quando este mesmo pai nos nega algo, nos impõe regras, limitações aos nossos desejos. Para a criança é muito angustiante lidar com tal ambivalência, com essa culpa por sustentar sentimentos hostis pelas pessoas que ama. Suprimir sentimentos, porém, não é o mesmo que descartar um objeto concreto. Jogou fora e tudo está resolvido. Não, não é assim. Os sentimentos se preservam dentro de um “recipiente” de memória intitulado inconsciente. É bom destacar que nem sempre tal operação ocorre de maneira satisfatória. Muitas vezes, o sentimento reprimido (o sentimento hostil, por exemplo) se desloca para um objeto externo, pois é mais fácil lidar com a aversão a qualquer objeto do que com nosso pai, não é mesmo? Basta apenas a criança se afastar de tal objeto que ela estará protegida. Se a fobia é comum e transitória na infância, ela se torna um problema quando atinge a idade adulta. E como nos lembra o psicanalista Laplanche, a fobia é consequência de um “resíduo irresolvido” da história de vida do sujeito. A pessoa desloca a angústia de uma situação insuportável para outra que aparentemente não tem nada a ver.
Em mês de férias, muitos podem estar se deparando com o pavor sentido diante de certas situações. A fobia de avião, por exemplo, pode inclusive impedir uma viagem com a família. Sentir medo antes de embarcar é natural, mas não conseguir entrar no avião ou mesmo ter palpitações, sudorese, um medo exacerbado, aí é preocupante. Tal medo pode estar associado a outros fatores como medo de acidente, de altura ou de ficar em local fechado. É claro que muitos acabam dando um jeitinho, fugindo do objeto fóbico até onde pode, porém, o sujeito não pode esquecer que existe um momento em que tanto medo pode paralisar sua vida, causando prejuízos ainda maiores. Nessa hora, o importante é reconhecer que algo realmente está errado. Precisamos “encarar” nossos medos e entender o real motivo de tanto temor, buscando ajuda de um profissional, como psicólogo ou analista.

Qual o sentido do amor?


ARTIGO JUNHO-09

Ah, o amor! Tema intrigante e preferido dos apaixonados, é também assunto comum em mesas de bar, livros, pesquisas, nos conselhos entre amigos e em consultórios psicológicos e psicanalíticos. Não por acaso, todos já sentimos um grande amor- seja ele pela mãe, alvo do nosso intenso amor inicial; seja pelo amiguinho da escola, quando ainda nem sabemos definir tal sentimento; aquele amor sofrido que muitas vezes nem é correspondido; e por que não, o amor que nos toma quando entramos em processo analítico, conhecido como amor transferencial? Amamos nossos pais, filhos, irmãos, amigos, companheiros, analistas, mas principalmente, amamos ser amados. Freud, em seus textos, muito nos disse sobre o amor. Para ele, a escolha de quem amar tem a ver com repetição. Temos uma demanda de amor que vem desde o início de nossas vidas: precisamos que nossa referencia materna nos transmita seus cuidados e afetos e isso se manterá durante nossas vidas, quando, inconscientemente, repetimos aquela relação primeira em nossos futuros relacionamentos, na busca por felicidade. Também podemos amar baseados em um amor narcisista, quando procuramos alguém que é como somos, como fomos ou mesmo gostaríamos de ser. Ao nos apaixonarmos, idealizamos nosso parceiro, buscando nossas características nele e quando não encontramos surge então a frustração. É preciso ter certo jogo de cintura para entender que o que buscamos é humanamente impossível. Afinal, não existem duas pessoas idênticas. Muitos acreditam no amor romântico, puro. A promessa de felicidade que nos é transmitida nos contos de fada, nos faz ir em busca do nosso verdadeiro amor, uma tentativa de evitar o confronto com a “dura realidade”, o mal estar próprio da condição humana. Amar e ter esse amor retribuído aproxima o sujeito da ilusão de completude. O que a psicanálise nos acrescenta é que nós somos seres faltosos, sempre nos queixaremos de algo, mesmo que nos conformemos com o que conseguimos alcançar. É só observar: não demora muito, já estaremos nos queixando de outra coisa.
Não podemos esquecer as pessoas que verbalizam que sonham em ter um grande amor, de amizade e confiança mas que tem medo de sofrer uma decepção amorosa. Quando elas se relacionam, ao temer a desilusão, passam então a sabotar a relação tão almejada, chegam a fugir de relações mais sérias e afetuosas a partir de desconfianças sem fundamentos, ciúmes exacerbados, tratando seu companheiro como sua posse, seu objeto. Que sufoco! Isso acontece por uma espécie de resistência do sujeito, na tentativa de evitar a dor de uma possível e temerosa perda. Freud afirmava: “nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor”.
O amor, porém, ainda é um sentimento muito enigmático,que muitas vezes não sabemos definir ou decifrar. Como diria Fernando Pessoa: quem ama nunca sabe o que ama / nem sabe por que ama, nem o que é amar”.

A força do desejo de ser mãe


ARTIGO MAIO-09

Segundo domingo de maio. A data remete automaticamente à figura materna e somos
tomados por sentimentos de amor, de carinho e gratidão por aquela que nos criou,
ensinou, transmitiu afeto... e nos gerou. Opa! Gerou? Nem sempre! Falar de mãe,
definitivamente, vai muito além de falar de quem nos colocou no mundo (mesmo que
isso, na maioria das vezes, coincida).
Atualmente, nos deparamos com uma mudança de paradigma em relação à família. O
modelo tradicional “pai,mãe e filho” deixa de ser exclusivo, oferecendo espaço
para novos tipos de aceitação e outros formatos familiares. Pensar em um casal
homossexual que adota uma criança, ou mesmo um pai que cria sozinho seu filho por
uma fatalidade ou por ter sido abandonado pela esposa, pode fazer com que alguns
questionem: "o que será deste sujeito quando crescer? Será que ele está condenado
a algum comprometimento psíquico?". Não! Quando falamos em capacidade para
exercer a função materna, não nos referimos a como deva ser a instituição
familiar, mas sim a transmissão do desejo.
A criança, ao nascer, precisa de alguém que a cuide, que atenda tanto suas
necessidades fisiológicas quanto psíquicas, em uma relação simbiótica que é
estabelecida através do cuidar, do olhar, da voz. Sabemos que é através da mãe
que a criança recebe o primeiro investimento de sua vida. Daí a importância de
que tudo ocorra da melhor maneira possível. Esse momento é fundamental para a
constituição do sujeito, que necessita dessa transmissão de afetos “desejantes”,
devendo ser feito por alguém que realmente possa exercer essa função de maneira
satisfatória. Mas para que isso aconteça é necessário que o cuidador também tenha
sido investido, e assim possa investir libidinalmente neste bebê. Como nos diz
Freud: “Se prestarmos atenção à atitude de pais afetuosos para com os filhos,
temos de reconhecer que ela é uma revivescência e reprodução de seu próprio
narcisismo”.
Ser mãe exige uma intensa dedicação, desprendimento, investimento, amor e
cuidado. Mas muitas mulheres não tiveram desejo suficiente para criar um filho,
entregando seu papel para outro - um pai, tio, avós, ou qualquer outra pessoa que
tenha desejo e capacidade em dedicar seu amor a essa relação. Infelizmente,
sabemos que existem aquelas que assumem seus filhos com total descaso no cuidado,
sendo muitas vezes agressivas e hostis, negligenciando sua função materna e
provando mais uma vez o quanto tal papel está atrelado ao desejo de cuidar.
Todos nós tivemos uma mãe ou alguém que cumpriu tal papel,mas hoje devemos
comemorar não apenas com quem diariamente exerce a função materna, mas com
aquelas que em algum momento ou por algum motivo precisaram substituí-las e o
fizeram com maestria, como nossos avós, tias ou babás. Portanto, ser mãe não é
pra quem quer e sim para quem deseja e ama!

A mentira nossa de cada dia


ARTIGO ABRIL-09

Quem nunca mentiu que atire a primeira pedra. Mentir é natural, faz parte do ser humano, enfrentar a realidade nua e crua é muito cruel. Contar uma verdade requer encarar as coisas da forma mais intensa e muitas vezes não estamos preparados para isso. Mentimos, então, como forma de escapar pelo caminho da fantasia. Com a mentira, podemos manipular realidades, temos o poder de tornar “real” algo que imaginamos, que desejamos; podemos dar um susto e depois voltar no tempo, afirmando que aquela terrível história que foi contada não passa de uma brincadeira. Todos nós, em algum momento da vida, já contamos uma mentira seja lá por qual motivo: para se livrar do telefonema daquele vizinho chato ou até para evitar uma fofoca e amenizar uma situação difícil.
Para a psicanálise a mentira está atrelada a alguns mecanismos de defesa como o da negação. Recorremos a mentira para usufruir por algum tempo do alívio e amparo que ela nos proporciona. Uma ligeira fuga da realidade não faz mal a ninguém... Será? Quando mentimos nos abstemos de algo, mas sempre alguém tem que “pagar o pato”. Os efeitos de uma mentirinha podem ser desastrosos. As conseqüências podem ser consideradas como mais difíceis de serem encaradas do que a própria verdade, por isso devemos refletir muito antes de mentir.
Se a mentira é corriqueira deve-se tomar apenas cuidado com as conseqüências, mas caso ela seja a única forma de o sujeito funcionar, e se transforma em prática cotidiana , aí sim a situação é preocupante, pois, por trás da mentira está a dificuldade da pessoa se defrontar com sua realidade.
Existem aqueles que mentem de forma compulsiva, outros o fazem sem pudores para tirar vantagem, “se dar bem” e em casos mais extremos, tem realmente o intuito de fazer mal. Pessoas assim, desconsideram totalmente os sentimentos dos outros e são capazes das piores atitudes e das mentiras mais cabeludas para conseguir o que desejam. Roubam, trapaceiam e até matam se for preciso.
Para eles, não há o menor problema em recusar normas, regras e valores, sentem inclusive prazer ao causarem danos e dores ao outro. Existe uma imposição do seu desejo e para isso, tratam o outro como objeto.
Sujeitos assim, não toleram a frustração e tornam-se agressivos quando contrariados. Simulam emoções, atuam, manipulam e não sentem culpa ou remorso diante do que fazem.
Em função disso, são pessoas que não procuram tratamento analítico, e quando obrigadas a isso, é quase impossível conduzí-las.
Fantasiar é prazeroso, mas devemos estar atentos para o fato de que a mentira, quando almeja a destruição, traz consigo algo que faz parte de nós e desconhecemos, mas que nos habita e está no nosso inconsciente.

O que quer uma mulher?


ARTIGO março-09

Em março, quando se comemora o dia da mulher, há grande mobilização com objetivo de valorizar o gênero feminino. Alguns homens aproveitam para render homenagem as mulheres, declarando seu desejo pelo sexo oposto; o comércio encontra aí ótima oportunidade de vender, e abusa da imaginação na busca do que , supõem, poder satisfazê-las.
O Dia da Mulher representa rompimento de barreiras econômicas, sociais e políticas. Durante muitos anos, as mulheres lutaram por direitos iguais aos dos homens e enfrentaram os preconceitos sofridos. Hoje, depois de tantas conquistas femininas, mais do que nunca é enfatizada a independência feminina diante de seus múltiplos papéis na sociedade.
Apesar dessa batalha por igualdade, homem e mulher, definitivamente, nunca serão iguais. Para a psicanálise, entretanto, a marca da diferença entre eles, não deve ser definida pelo órgão sexual, mas pela inclinação do desejo de cada sujeito. Falar de mulher, sob esse ponto de vista, significa entrar em um terreno fértil e misterioso.
Falar de mulher implica falar de maternidade, cuidado, afeto. Nos remetemos à imagem da sensibilidade, da coragem, da vaidade. A mulher não é mais aquele sexo frágil de antigamente, conquistou seu espaço na sociedade que faz com que pensamentos pululem nossas mentes sobre quem é essa mulher contemporânea.
As vezes fraca, as vezes forte, ora dependente ora independente. São diversas as facetas assumidas pela mulher, fazendo com que o seu desejo seja encarado como um enigma. Freud e Lacan tentaram traçar um percurso explicativo sobre o que quer uma mulher.
Se percorrermos o caminho da arte- poesias, música, pintura, por exemplo-, perceberemos como todos tentam desvendar esse o obscuro inconsciente da mulher- mas apenas tentam.
Quando falamos em mulher, não podemos negar sua magnitude: é a única que pode conceber a vida e aquela que, na maioria das vezes, exerce a função materna, função primordial para a teoria psicanalítica. Afinal, como pensar em uma sociedade com sujeitos atuantes e bem resolvidos, sem levar em consideração o momento em que cada um viveu seu período de constituição. Já citamos em outros textos a necessidade que a criança tem de ser cuidada, investida e desejada. Esse papel, na maioria das vezes é exercido pela mãe; é ela quem traduz os afetos e emoções vividos pelo bebê e torna-se uma espécie de mediadora entre ele e o mundo externo, possibilitando que a criança inicie um processo de reconhecimento enquanto sujeito.
É claro que ser mulher não implica necessariamente em exercer a função materna, assim como o ato de cuidar pode ser realizado por outro sujeito. Se não houver desejo de ser mãe, o valor da mulher não será menor por esse motivo.
Enfim, mesmo que continue assumindo tantas posições na sociedade, nos parece inesgotável a tarefa de desvendar o que realmente uma mulher deseja.

Carnaval e suas “fantasias”


ARTIGO FEVEREIRO-09

Fevereiro é festa. É carnaval! A sensação que ele transmite é de alegria, curtição, bem-estar. E tudo se transforma numa brincadeira. Carnavalizar significa subverter, pôr em estado de desordem, ou seja, se passamos o ano inteiro vivendo segundo as expectativas dos grupos sociais, é no carnaval que podemos nos libertar e ser aquilo que queremos. É possível participar de uma nova realidade. As pessoas esquecem dos problemas e dificuldades rotineiros e podem desfrutar de pura euforia e prazer. O carnaval abre alas no palco real da vida, permitindo a fantasia falar mais alto. Psicanaliticamente, não é a toa que isso acontece.
A fantasia é um conceito desenvolvido por Freud que está intimamente ligada a cada ser humano. Ela é o substituto do que é o brincar para a criança, sendo que enquanto a criança exibe seu brinquedo, o adulto inibe suas fantasias.
Desde a infância, passamos por experiências marcantes que, mesmo inconscientemente, criam em nossas mentes fantasias na busca de prazer. Porém, com o passar do tempo assumimos certos compromissos com a sociedade, construímos uma identidade e zelamos pela imagem que esperamos ter diante do olhar do outro. Somos cobrados na maneira de andar e vestir. Mas no carnaval é diferente e então podemos liberar nossos mais profundos e secretos desejos e deixar o inconsciente "falar mais alto", mesmo que disfarçado.
As fantasias carnavalescas expõem o que muitas vezes ocultamos durante a nossa vida, nossa múltiplas facetas. Neste grande espetáculo, as pessoas dão permissão e liberam suas fantasias conscientes ou mesmo inconscientes nas alegorias, pois assim não precisam assumir suas escolhas para a sociedade, afinal, tudo é festa! As máscaras tomam o lugar das nossas dissimulações sociais, pois com os adereços nos disfarçamos ou nos revelamos, podendo brincar sem medos, independente de sermos lembrados no dia seguinte.
O carnaval provoca uma quebra na ordem social e permite inversão de papéis e valores: pobre vira rei e rainha, homem vira mulher e mulher vira homem, adultos pedem chupeta enquanto crianças se transformam em super-herois, enfim, ocarnaval é representado pela mistura de cores,classes sociais,diversão e cultura. O importante é que tudo é "permitido "
Além de imaginar, o sujeito pode vestir sua fantasia, e por algumas horas, pode ser aquilo que seu desejo "ordena". A fantasia também atrai o olhar do outro, faz chamar atenção. Por tudo isso, há tanto prazer e felicidade em desfrutar deste momento. Portanto, no carnaval, desejo e realidade se misturam e entre adereços e fantasias, o inconsciente pode fluir, sem ultrapassar os limites da sociedade e de nossas cobranças pessoais.
Fantasiar é saudável, é a forma que encontramos pra suavizar a dureza da vida. Somos exigidos a assumir uma postura em nossa sociedade, o que muitas vezes se torna pesado. Não há melhor época para nos desarmarmos do que o carnaval, pois é justamente nessa época em que as pessoas pactuam umas com as outras, "mudamos de roupagem, nem que seja só até quarta-feira de cinzas..."

Infinito desejo

ARTIGO JANEIRO-09

Quando um ano novo se instala fazemos sempre um retrospecto e análise do que foi vivido. Selecionamos em nossas lembranças os acontecimentos que consideramos de maior importância. Algumas vezes, prevalecem na memória histórias e momentos de felicidade. Mas nem sempre é assim. Quando o histórico do ano que passou é feito de tristezas, nos vemos perdidos. É neste momento que devemos deixar que o sentimento de esperança fale mais alto, acreditando que virá pela frente um ano de conquistas e realizações.
O sentimento de esperança reaceso a cada começo de ano, tem uma íntima relação com a psicanálise. Esperar por algo é desejar, e o desejo é um conceito fundamental desenvolvido pela teoria psicanalítica e que aflora incessantemente no imaginário das pessoas. Desejamos saúde, amor, paz, muitas vezes desejamos desejar algo. Nossos desejos se destacam também no terreno material; desejamos uma casa, um carro, uma roupa, enfim, somos seres desejosos por essência, pois sempre falta algo pra nos completar, sempre falta algo pra nos sentirmos felizes. Se procurarmos no dicionário o significado de desejo encontraremos -ato ou efeito de desejar; aspiração humana diante de algo que corresponda ao esperado; aspiração humana de preencher um sentimento de falta ou incompletude.
Desejar vai além de necessitar, pois nossas necessidades pertencem a ordem do natural, do biológico; é como sentir fome, sentir sede. Já o desejo, é da ordem psíquica, do nosso inconsciente e está enraizado às nossas fantasias. Portanto, o desejo é próprio de humanos, já que sempre temos anseios por algo, e não nos contentamos com a satisfação do que é puramente "necessário".Mas é preciso cuidado para não estacionarmos no mundo dos desejos, deixando o tempo passar sem que nossas atitudes procurem realizações. Muitos desejam desenfreadamente, e não conseguem atingir o objetivo almejado, surgindo então o sentimento de frustração. Será que estamos preparados para lidar com o desejo e a frustração de maneira natural? Muitas pessoas conseguem superar uma expectativa ilusória, no entanto existem aquelas que acabam tomando caminhos tortos, e desviam de resoluções sadias. Nesse momento, cabe ao sujeito ter a percepção de que não está conseguindo lidar com suas frustrações e precisa pedir ajuda profissional.
Sempre estaremos a procura de algo. A busca do desejo é inesgotável, pois assim que realizamos um, já estamos prontos para desejar novamente. O psicanalista Lacan nos diz " O desejo é desejo do desejo".O que nos resta é viver em busca daquilo que no satisfaz saudavelmente, entendendo que as vezes realizaremos o que buscamos e em outros momentos, temos sim que lidar com o inesperado, mas sempre olhando o novo com expectativas e principalmente com atitudes e esperança para realizá-los...

Irmãos: um misto de sentimentos


ARTIGO DEZEMBRO-08

Para a maioria dos pais, ver seus filhos vivendo harmoniosamente é motivo de prazer e felicidade. Esperam desta relação fraternal troca de carinhos, amor e companheirismo. Mas se ficam tão satisfeitos com manifestações de união, é porque sabem que nem tudo sempre são flores e que as relações entre irmãos são permeadas de rivalidades e competições. É na família que o sujeito experimenta todo tipo de sentimento, tanto os de afeição, quanto os hostis. Tal vínculo é marcado por uma série de ambivalências: sentem ódio, ciúmes, inveja, mas também se identificam, compartilham referências, espaços e aprendizados.
Quando o bebê nasce, sabemos que deve ter toda a atenção da mãe voltada para ele. Nesse momento, percebe sua mãe como exclusivamente sua e é muito difícil desfazer-se dessa idéia. Freud esclarece em um de seus textos: “O amor infantil é ilimitado; exige a posse exclusiva, não se contenta com menos do que tudo.” Quando os pais resolvem ter outro filho, devem ficar atentos, pois a chegada de um bebê nem sempre é encarada pelo irmão com festa e alegria. As fantasias que surgem em torno dessa criança que está por vir devem ser compreendidas e debatidas entre pais e filhos. Além disso, sentimentos de carinho e respeito podem ser trabalhados antes mesmo que o bebê nasça.
É normal, portanto, que ao se dar conta que existe outro alguém, que assim como ele também participa das relações familiares, a criança perceba o irmão como uma grande ameaça. Neste momento, precisa aprender a dividir, compartilhar e, aos poucos, amá-lo.
Desentendimentos fraternos também podem ser positivos e servir para o crescimento, pois possibilita a criança aprender a dividir e entender que no mundo existem outras pessoas que devem ser respeitadas. Mas isso depende muito da maneira como os próprios pais se posicionam em tais situações. Suas atitudes diante de brigas e discussões dos filhos podem promover o crescimento e amadurecimento de seus filhos, como também prejudicá-los e conturbar as relações na família.
Os pais, portanto, devem saber que tais sentimentos são normais e saudáveis, pois essa é a maneira que a criança encontrou para demonstrar seu amor, e cabe ao adulto suportar tal pressão, amparando e ajudando a criança a encontrar suas limitações. Algumas vezes, em função de suas histórias de vida, os pais permitem que sentimentos mal resolvidos( mesmo inconscientes), influenciem nos seus comportamentos. Comparam, protegem um filho em detrimento do outro, sem a real noção das conseqüências que isso, verdadeiramente, pode causar.
A preocupação deve surgir quando a briga, ciúmes, inveja e desentendimentos perpetuem por muito tempo ou quando mesmo após muitas tentativas, não ocorrem mudanças no comportamento dos filhos.
Uma pessoa que durante sua vida foi desvalorizada e humilhada pelo irmão e teve a “confirmação” dos pais diante disso, poderá sofrer em futuras relações, mantendo-se nessa posição. Podem tornar-se submissos, infelizes, sem capacidade de encontrar seu próprio valor.
Porém, mais uma vez não devemos esquecer que em nossas vidas sempre pode haver mudanças. Devemos buscar os motivos de nossos problemas, a origem de nossos conflitos, e assim, tentar uma solução.