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domingo, 11 de abril de 2010

Dependência emocional: necessidade ou desejo?


Desde o início da vida, somos dependentes de alguém que nos cuide, nos alimente, nos proteja, papel exercido na maioria das vezes pela mãe ou por alguém que cumpra tal função. Esse momento materno é fundamental para a constituição do sujeito, que necessita dessa transmissão de afetos. Inicialmente, a criança torna-se objeto de desejo da mãe, aquilo que, em certo sentido, a completa. A mãe passa a traduzir afetos e emoções vividos pelo bebê, ou seja, torna-se uma espécie de mediadora entre ele e o mundo externo. Com o tempo, o bebê percebe que não é mais o único objeto de desejo da mãe. A mãe passa a direcionar seus desejos a outras pessoas ou atividades além do bebê, permitindo que a criança possa adquirir independência e fazer suas próprias escolhas. Tal processo de separação e desvinculação com o cuidador é sempre doloroso, mas extremamente necessário.
É essa idéia de completude que nos instiga a buscar um companheiro, um amigo, enfim. Desejamos atenção, carinho e reconhecimento do outro. Assim, podemos reconhecer a dependência como inerente ao ser humano. Nos momentos de fragilidade, de conflitos, é natural que muitos voltem à fase inicial da necessidade de amparo.
O quadro torna-se patológico quando passa ser exagerado, causando sofrimento. Para esse sujeito, sua felicidade e bem estar só serão possíveis a partir do outro. Dependem integralmente da existência e cuidados alheios para que possam lidar com suas próprias questões. Muitos confundem e justificam atitudes e comportamentos de dependência emocional alegando ser amor. Na verdade, essa é uma forma de aceitar e lidar melhor com algo que está ultrapassando os limites do saudável.
É muito delicado falarmos de dependência emocional se levarmos em consideração certos padrões culturais que trazemos enraizados desde que nascemos. Somos instigados a nos relacionar, a fazer amizades, encontrar um parceiro e constituir uma família; acabamos então tendo como meta ter alguém ao nosso lado para sermos felizes. É fato que precisamos do outro, mas até que ponto o precisar se transforma em necessitar, em condição primordial para nossa felicidade? O dependente emocional apresenta um padrão constante de necessidades emocionais insatisfeitas, que se manifestam através de relações de monopólio, tratando o outro como sua posse, seu objeto. É uma relação de tanto desequilíbrio que se metaforiza com a dependência de um usuário de droga, que transpõe e aniquila o outro por absoluto. Infelizmente, tais relações atingem graus tão expressivos que acabam sendo trágicas.
Quem pensa que esse amor fatal só está nos versos poéticos ou em novelas, em filmes ou em obras shakesperianas engana-se. É bom ficar atento, pois uma pessoa com dependência emocional e afetiva quer ter à sua disposição, continuamente, a outra pessoa como se estivesse aprisionado a ela. Terá crises de ciúmes paranóicas, solicitará que seu parceiro renuncie a sua vida privada para que possam ter mais tempo juntos e se colocará numa posição de que a atenção recebida nunca é suficiente. Esta pessoa precisa de ajuda! Ela precisa ser ouvida por um profissional, precisa estar no divã divagando sobre seus fantasmas e seus temores para que possa descobrir novas formas de encarar a vida, com mais autonomia e confiança em si mesmo.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Entrevista: Jorge Forbes


Pessoas se ‘deletam’

25/04/2009 00h00

Entrevista de Jorge Forbes para o portal Terra - 25 de abril de 2009.

Fabrício Calado Moreira

Vivemos uma epidemia de crimes inusitados cuja tendência é não diminuir. A avaliação é do psicanalista e médico psiquiatra Jorge Forbes, que há alguns anos estuda e trabalha com situações de violência extrema envolvendo famílias e amigos. Entre outras histórias escabrosas, já escreveu e tentou entender os casos de Isabella Nardoni e Suzane Von Richthofen, para ficar em duas barbaridades de grande repercussão.

Para Forbes, as mudanças na sociedade impostas pela globalização fizeram surgir um novo tipo de violência: o crime inusitado. Que é diferente do crime "situado", onde há uma motivação mais aparente (por vingança, por ódio, para poder roubar). Para emprestar um jargão da internet, o psicanalista compara o estado das relações sociais hoje com um expediente recorrente no mundo virtual.

"Hoje, a possibilidade de uma pessoa deletar a outra, tanto metafórica quanto literalmente, é muito freqüente. Passa-se da amizade pra indiferença absolutamente sem cerimônia nessa sociedade", avalia. Os crimes de família ou inusitados, como Forbes os chama, vêm deste desapego ao outro. "Nós começamos a ver uma série de casos que não correspondem ao que nós estávamos habituados a conhecer na teoria do crime." O choque gerado por esse crime é maior que o dos crimes 'normais' praticados por estranhos, explica Forbes, porque o inimigo pode ser quem menos se imagina - nestes casos, alguém da família. "Esse tipo de crime aflige muito mais a sociedade por isso, porque você não consegue prever que uma menina loira bonitinha da classe média alta participe do assassinato do pai e da mãe de maneira fútil e inconseqüente."

Sociedade em xeque
Com a entrada em cena dos tais crimes inusitados, a própria sociedade é posta em questão - com conclusões até indigestas, no entender do psicanalista. "Se Suzane fez o que fez, os pais olham pros filhos e pensam 'meus filhos também podem fazer isso comigo!' A sociedade começa a pedir detectores de meNtais (o trocadilho com metais é intencional)."

Apesar das perspectivas que traça, o estudioso das psicopatologias da vida cotidiana vê sintomas que indicam possibilidade de melhora. "Estes crimes inusitados devem diminuir à medida que nós aprendemos a habitar o mundo globalizado. Hoje, estamos tentando entender o mundo novo com a cartilha antiga. Ainda tateamos novos conceitos", acredita. Como comparativo, Forbes cita os avanços da medicina. "Hoje em dia ninguém se assusta mais com o Bacilo de Koch, mas anos atrás era um pega pra capar."

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Por trás das máscaras sociais


Desde o início da civilização humana, os papéis sociais foram predeterminados na vida de cada um: papel de marido, esposa, pai, mãe, filho, profissional etc. Conviver socialmente, muitas vezes, não é missão simples nem prazerosa. É preciso se adequar e até abdicar, em alguns momentos, do que realmente somos para conquistar boa imagem diante dos olhares alheios. A cada relação estabelecida, somos cobrados pela maneira de agir, de pensar; assim como, mesmo inconscientemente, também esperamos que o outro nos satisfaça.
Há exigências no comportamento profissional, na relação com os familiares, com os amigos e vizinhos. Usamos “máscaras sociais” em nome do reconhecimento e admiração no convívio cotidiano. Diariamente nos rendemos a opiniões que muitas vezes discordamos e nos queixamos às escondidas sem propor um ponto de vista diferente, que inclusive, poderia ser melhor do que as normas obedecidas. Até que ponto devemos vestir essas fantasias impostas e sacrificar nossos próprios desejos? Diante de tantos padrões de comportamento, em que lugar está a nossa personalidade?
Desde o nosso nascimento, recebemos investimentos necessários para a nossa constituição. Este desejo vindo do outro irá instaurar-se em nosso inconsciente, permitindo o surgimento de identificações em nossos relacionamentos que irão moldar a personalidade de cada um. Passamos então a ter a percepção de como nós somos, através da autoavaliação global, de como os outros no vêem e, por fim, de como somos de fato, ou seja, a nossa personalidade. A percepção distorcida em alguma dessas esferas poderia estar trazendo comprometimento psíquico para o sujeito. O importante é perceber-se e, ao entrar em sofrimento, buscar ajuda psicológica.
Às vezes, não nos damos conta de que levamos ao pé da letra os limites dos papéis sociais e cristalizamos nossa mente. Quem na infância nunca brincou de ser um super-herói, ou nas brincadeiras de “casinha” não assumiu o papel da mãe, professora, médica. A questão é que quando nos desenvolvemos, temos que assumir um único papel. Se somos adolescentes, temos que ser responsáveis e obedientes. Quando atingimos a idade adulta, temos que ter um objetivo já traçado e ir em busca dele.
Existe uma guerra entre aquilo que nossas pulsões desejam e o que a sociedade exige. E para interagir em sociedade e viver de acordo com as expectativas externas, o sujeito percebe que precisa frear seus impulsos e desejos, através de uma série de estratégias e mecanismos de defesa. É preciso ser realista e aceitar que nunca será possível ser e ter aquilo que nossos mais profundos desejos ordenam, mas o outro extremo também é prejudicial; o sacrifício pelo bom conceito diante da sociedade não pode ultrapassar limites, gerando angústia e sofrimento.
Diante do rebuliço de obrigações, responsabilidade e limitações, existe um ser humano tentando sobreviver na busca pela adaptação. Desta forma, os papéis sociais são importantes, sim. Mas cabe a cada um de nós o reconhecimento das diversas possibilidades e a busca pelo equilíbrio entre aquilo que queremos e o que querem de nós. Caso contrário, estaremos eternamente estagnados e aprisionados em nossas máscaras.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

“Por que a psicanálise?” (Elizabeth Roudinesco)


Hoje, lendo este livro da Psicanalista Roudinesco, mais uma vez me dei conta do que constantemente esbarramos no fazer psicanalítico: o constante e desenfreado uso de psicotrópicos. Lembrei da história de um conhecido que, sentindo-se angustiado, foi orientado a procurar um tratamento. Sem ao menos saber que psicólogos ou analistas não prescrevem medicação, saiu indignado do consultório, pois a incompetente analista não foi capaz de ajudar e lhe passar um remedinho. “Ela ao menos poderia ter indicado um psiquiatra. Hoje em dia ninguém tem tempo!!”. Não há tempo para sofrer, para falar de angustia; o tempo que se tem é para ganhar dinheiro, ganhar o mundo. O grande problema é que o sofrimento psíquico não tem tempo pra chegar e nem para sumir! E quando aparece, desestrutura, desestabiliza.
Que a depressão é a doença do século não é novidade! A maioria conhece seus sintomas, muitos dizem já ter vivenciado, mas poucos tem interesse em descobrir sua origem. Pra que cutucar a ferida se eu posso engolir alguns comprimidos e seguir adiante? As dores da alma, muitas vezes, são sentidas no corpo e é no corpo que as pessoas acreditam que devem ser tratadas com overdoses de medicamentos. Não quero desmerecer a eficácia dos psicotrópicos, são ferramentas que colaboram e algumas vezes são indispensáveis para o sucesso de tratamentos. Mas não há quem possa dizer que são suficientes!
A psicanálise vem sendo severamente atacada com críticos que afirmam sua ineficácia e justificam qualquer sintoma e comportamento humano através de mecanismos puramente químicos e genéticos. Mas se ela está perdendo lugar, também é porque os próprios pacientes preferem acreditar que seus sintomas tem origem orgânica e rejeitam indícios de relação com a sua história, com a sua constituição. Como diz Roudinesco: “ Em lugar das paixões, a calmaria, em lugar do desejo, a ausência de desejo, em lugar do sujeito, o nada, e em lugar da história, o fim da história.”
Não posso ser injusta nem radical! Ainda existem psiquiatras e pesquisadores de outras áreas que valorizam a importância de um processo analítico. Quem se permite conhecer, sem preconceito ou narcisismo enceguerante, sabe do seu papel científico, social, e, sobretudo, subjetivo. É pra isso que estamos aqui!

Roberta Gondim.

domingo, 24 de janeiro de 2010

A impetuosa superação humana


ARTIGO JANEIRO-10

Em meio a tantas catástrofes e destruições, nos perguntamos o que está acontecendo? Muitos parecem não entender, outros se sentem culpados e, de certa forma, confundem-se em relação a tudo que está acontecendo. Obviamente, a situação tomou proporções gigantescas, diríamos, desesperadora. Mas desde quando o ser humano destrói, se autodestrói ou luta pela sobrevivência? Desde sempre! Para fazer um paralelo com a psicanálise, é preciso pensar em conceitos fundamentais para sua teoria. Pulsão de vida e Pulsão de morte. Não nos cabe aqui ficar teorizando e trazendo explicações minuciosas, mas é impossível não enxergar tantas manifestações do que realmente somos no meio disso tudo.
Freud foi categórico ao dizer que há um conflito inerente ao ser humano entre a pulsão de vida e a pulsão de morte. A pulsão de vida tem como seus derivados a criatividade, a amorosidade, o desejo de se desenvolver, enfim, tudo aquilo que possibilita a motivação da energia humana para a busca da autoconservação. Já a pulsão de morte estaria relacionada ao retorno à imobilidade, tendo como representação a destrutividade, a agressividade e tudo aquilo que limitaria o progresso da vida.
Quando vemos tantas desgraças provocadas pelo próprio homem através de atitudes autodestrutivas como o consumo de drogas, pessoas que nos parecem gostar de sofrer ou mesmo através de atos violentos e destrutivos em relação à sociedade e ao ambiente, podemos relacionar a pulsão de morte, que para Freud, em alguma escala, está presente inconscientemente em todos nós, assim como a pulsão de vida, que como já citamos, está relacionada à autoconservação.
E quando somos surpreendidos com tragédias que são conseqüências de eventos da natureza que exterminam milhares de pessoas sem aviso prévio, sem uma explicação coerente? O ano novo nos impulsiona a festas e comemorações, com votos de recomeço e felicidade, mas no início de 2010 vimos muita dor, tristeza e desespero em lugares como Angra dos Reis e principalmente no Haiti.
Nesses casos, o que nos chama atenção e ainda nos traz esperança é constatar a luta pela sobrevivência, o desejo pela vida. Pessoas que depois de passarem dias debaixo de escombros, ainda conseguiram buscar forças para pedir socorro e querer sobreviver, sabendo que seus familiares se foram, que sua cidade e sua vida estão devastadas. Gritantemente, são nessas situações limite que a pulsão de vida comparece, aniquilando com a dor, com a vivência traumática que muitas vezes pode vir a ser inelaborável, pela busca de apenas sobreviver.
Diante de situações como estas, nos reconhecemos vulneráveis e nos deparamos com a realidade, de que tais catástrofes podem acontecer a qualquer um de nós. Tudo isso nos causa angústia, desperta em nós sentimentos de solidariedade, de piedade, de querer ajudar ao próximo, sentimentos que só atestam aquilo que Freud desenvolveu com tanta maestria: todos nós temos uma força que nos impulsiona para a busca da expansão, isto é, o ser humano é eminentemente vida.....pulsão de vida!

Noel e a fantasia que não desbota


ARTIGO DEZEMBRO-09

Quando se fala em Natal, hoje, o pensamento automaticamente voa na direção de brinquedos e comidas. Vivemos num tempo em que os valores de nossos antepassados se tornaram fluidos. Mas apesar dessa percepção dominante, inda existem famílias que valorizam o verdadeiro sentido do natal.
Muitos pais utilizam a figura do papai Noel como forma de ampliar as fantasias que povoam a mente das crianças. A expectativa de cada uma para este dia é fundamental, seja pela ansiedade de ganhar aquele brinquedo tão desejado ou pelo esforço para se manter acordado durante a madrugada e assim encontrar Papai Noel. Ao serem perguntadas sobre o assunto, muitas crianças colocam suas fantasias em prática quando dizem que viram o papai Noel deixando seu presente, ou mesmo, que tiveram o azar de acordar tarde, mas a tempo de ver renas voando sobre o quintal. O Natal deixa rastros de esperança e permite que muitos façam parte de um momento mágico.
Mas essa espera não está restrita ao universo da criança. Para que elas tenham introjetado tal mito foi necessário que o pai, a mãe, a avó ou alguém importante para essa criança também acreditasse um dia em tudo isso. Assim, o papai Noel é uma lembrança da infância de cada um de nós que se re-atualiza a cada Natal. A psicanálise nos mostra, mais uma vez, que os desejos e conflitos de nossa infância não terminam porque nos tornamos adultos. O que seria de nós sem nossas crenças infantis?
O ritual de dar o brinquedo no Natal representa para uma criança mais do que imaginamos. Nesse momento, ela pode unir fantasia e realidade, o seu mundo interior ao exterior. O presente tem a marca da realidade num mundo de fantasias construído para organizar de forma simbólica as vivências de conflitos e desamparos. A fantasia tem a função de organizar o mundo em que a criança vive.
Segundo Freud, a criança brinca para criar e descobrir, ou seja, brinca para poder elaborar perdas, para encenar o que ainda não compreende da sua vida, brinca para simbolizar. Então, a criança necessita da brincadeira para apoiar sua inscrição no desejo. O brinquedo assim, se transforma em outra coisa com o investimento imaginário e simbólico que a criança consegue fazer. Através do brincar, ela pode elaborar a distância entre a possibilidade e a insuficiência no desejo de ser grande.
Parece-nos que uma grande dificuldade com a qual os pais se deparam é que, depois de tornarem-se pais, muitos acreditam ter que cumprir um papel extremamente sério e responsável, não restando mais a eles a capacidade de se divertir, de brincar, enfim, sentem-se na obrigação de deixar se esvair a criança que seguramente ainda existe dentro deles, mas que insistem em deixar presa como que num calabouço, muito bem isolado sonoramente, para que suas gargalhadas de alegria não possam ser mais ouvidas. Com essa criança escondida, como poderão os pais estabelecer uma sincera relação com os seus filhos, propiciando-lhes assim um entendimento de seu mundo interior?
Os pais perguntam aos psicólogos e analistas como agir corretamente, pois cada filho é um desafio e a cada dia tudo o que já sabiam parece se modificar. Freud nos diz que a palavra está sempre em jogo, e a criança pode nos responder através dos atos do seu brincar as perguntas que lhe fazemos. É preciso suportar um brincar descomprometido de regras, pois a criança não vive num mundo pacífico, sem conflitos, então ela quer o prazer que o mistério proporciona. Talvez por isso, o presente e as historias de Natal nunca perdem seu lugar. Os brinquedos podem ficar para trás, as brincadeiras se modificam, mas as vivencias não estarão perdidas, pois sempre retornam e dão sentido à nossa vida.








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A amizade é um amor que nunca morre” (Mário Quintana)


ARTIGO NOVEMBRO-09

O fim do ano se aproxima e alguns vão ficando mais reflexivos. A essa altura já começamos a contabilizar nossas conquistas e perdas, mas que tal também lembrarmos das coisas boas que temos e conseguimos preservar? Em tempos egoístas onde o tamanho da felicidade parece estar no tamanho da conta bancária e naquele requisitado compromisso social que este ano você finalmente conseguiu ser convidado, não podemos esquecer que o que realmente importa ou pelo menos deveria importar ainda “são outros quinhentos”. Por que não agradecer, por exemplo, a conquista ou permanência de uma grande amizade que por mais um ano sobreviveu ao corre-corre, ao mundo virtual de orkuts, facebooks e e-mails da vida? Aquela amizade que a cada dia supera distäncias, fofocas, diferenças e os desentendimentos nossos de cada ano?
Psicanaliticamente, eleger alguém como amigo vai além de encontrar um parceiro disposto a escutar de você suas dores e amores. Quando existe amizade, é porque de alguma forma essas pessoas compartilham algo. Nos identificamos com uns e não com outros por componentes de admiração e sintonia que podemos enumerar, mas também por questões que tem muito de nosso inconsciente. Nossas relações de amizade, tem a ver com nossos percursos iniciais, momento em que experimentamos o prazer sentido ao receber afeto daqueles que nos cuidam. Os primeiros laços que construímos de afeto surgem dentro do berço materno, e conforme nos desenvolvemos, nos socializamos, desperta uma necessidade de nos relacionarmos no círculo extra-familiar, ao qual se torna essencial para o processo de subjetivação. É a nossa jornada na busca de identidade, o encontro entre as pessoas nutrido a partir de um sentimento que é a amizade.
Buscamos ter um amigo, porque aquele amor recebido por nossa mãe, na tenra idade já não é mais único para nós, pois ela começa a se interessar por outras coisas além de nós, e como forma de tentar reparar esta marca, estabelecemos o laço da amizade. Os traços que se fixam inconscientemente a partir das nossas primeiras relações serão fundamentais para as futuras buscas de amizade.
Mergulhar numa amizade implica em abertura para o outro, a possibilidade de se deixar invadir pela troca, sem que isso atrapalhe nossa subjetividade. A amizade consente a busca das diferenças, aperfeiçoa nossas particularidades, espera de nós o insólito a cada contato, mesmo já conhecendo cada atitude um do outro. Isso não é tão fácil assim!
Para escrever este texto, não foi apenas o fim do ano, mas a perda de uma pessoa querida que nos fez pensar no valor que deve ter uma amizade. Em um trágico acidente foi perdido um amigo, um irmão, um filho, uma alegria, um sonho, uma aventura, uma liberdade. Perdemos o Alexandre! Mas finalizamos com uma frase de Mário Quintana que faz com que pensemos que as coisas materiais são efêmeras, iniciam e acabam em um processo cíclico, mas os sentimentos perduram dentro de nós até o fim. “A amizade é um amor que nunca morre”.